Por José Luiz Toro da Silva. Advogado. Mestre, Doutor e Pós Doutor em Direito
A capacidade de pessoas físicas e empresas pagarem os planos de saúde contratados está sendo corroída pelo intenso aumento das taxas de sinistralidade, instrumento aplicado anualmente para fechar a conta e manter – conforme a legislação – o equilíbrio das contas do plano de assistência contratado. A afirmação é do advogado, mestre e pós-doutor em Direito de Saúde Suplementar, José Luiz Toro da Silva, titular de escritório e presidente de instituto de estudos e capacitação voltado ao setor, o IBDSS.
Para fundamentar seu ponto de vista, Toro relata que a presidência da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), chamou atenção para os elevados custos do setor de saúde suplementar, principalmente porque, desde a aprovação da Lei 14.30722, as “tecnologias avaliadas e recomendadas positivamente pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (CONITEC), instituída pela Lei 12.401/11, cuja decisão de incorporação ao SUS já tenha sido publicada, serão incluídos no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar no prazo de 60 dias”.
– Muitas vezes, essas tecnologias se referem a medicamentos aprovados de forma precária pela ANVISA, destinados a doenças raras que não chegaram à fase 3 de pesquisa clínica (última etapa). Todavia, os planos de saúde são obrigados a comprar tais novas tecnologias incorporadas pelo SUS observando os preços impostos pela indústria farmacêutica. Não lhes servindo, por consequência, os estudos e negociações sobre custo-efetividade que foram realizados pelo sistema público, que pode comprar com descontos expressivos e, em muitas situações, após o estabelecimento de acordo de compartilhamento de riscos, levando em conta hipótese das tecnologias não apresentarem, em casos concretos, a eficácia que se espera. Isso é possível porque se trata de medicamentos que, apesar de aprovados pela ANVISA sem o esgotamento de todo o processo de análise, são considerados “experimentais”, ou seja, precisam ser mais bem avaliados, inclusive com referência aos efeitos adversos que podem resultar, aumentando, ainda mais, o custo do cuidado com a saúde, bem como se eventual sobrevida não resultará em maiores sofrimentos para o paciente e seus familiares.
Além da mencionada mudança legislativa, José Luiz Toro diz que muitas coberturas impostas aos planos privados de assistência à saúde decorrem de decisões judiciais, na maioria das vezes a partir de medidas liminares ou tutelas de urgência, sem ampla discussão de cada caso em particular, inclusive com referência a coberturas que não são oferecidas pelo SUS, ou seja, medicamentos que não foram avaliados ou foram rejeitados pela CONITEC.
– Neste aspecto, os planos de saúde, muitas vezes, são obrigados a realizar coberturas que nem mesmo o SUS cobre e que não constam do Rol de Procedimentos e Eventos da ANS, com fundamento em uma “cobertura extra rol”, decorrente da Lei 14.454, que também foi aprovada em 2022, ano de eleição, sem uma ampla discussão com a sociedade e avaliação dos impactos econômicos da medida. Aliás, aludida lei está em discussão no STF, a fim de avaliar a sua inconstitucionalidade.
No seu dia a dia junto a beneficiários e nas cortes judiciais, Toro contatou que todas essas coberturas, no afã de proteger os beneficiários dos planos de saúde, estão levando à insustentabilidade do setor.
– Os beneficiários – empresas e pessoas físicas – não estão conseguindo pagar os seus planos de saúde, especialmente quando aludidas coberturas são repassadas, através do reajuste por sinistralidade, para os seus preços, tendo em vista o princípio do mutualismo, pois em decorrência da socialização do risco, ocorre a repartição de todos os custos, como se fosse um verdadeiro “condomínio”. Registre que mesmo nas operadoras de autogestão de saúde, que não possuem finalidade lucrativa, seus participantes não estão conseguindo pagar a conta do plano de saúde.
Para o presidente do IBDSS urge que a sociedade discuta que cobertura deverá ser assegurada e quanto ela está disposta a pagar, porque esses novos fármacos e tecnologias, em face de seus altos custos, estão inviabilizando a sustentabilidade desse setor.
Além do alerta do Presidente da ANS, o Ministro Gilmar Mendes, do STF, em decisão de 27 de agosto deste ano, ao analisar reclamação apresentada para o fornecimento de medicamento ainda não registrado na ANVISA, para tratamento de criança com Distrofia Muscular de Duchene, no âmbito do SUS, chamou atenção da sociedade para a sustentabilidade do mencionado tratamento, asseverando que: “É evidente que o reclamante assim como todos os portadores de Distrofia Muscular de Duchene (DMD) possuem o direito de receber atenção médica especializada e tratamento adequado para essa grave patologia. No entanto, manifesto minha preocupação em equilibrar a concretização desse direito com os interesses de todos os brasileiros que dependem do SUS, cuja operação pode ser seriamente prejudicada pela multiplicação de ações semelhantes. Portanto, é fundamental que o Judiciário atue com responsabilidade e cautela, buscando alternativas que assegurem o acesso da população às terapias prescritas sem comprometer o equilíbrio financeiro do sistema público de saúde.” E acrescenta que é “preciso ter em mente que, como informa a União, caso fossem deferidos todos os pedidos formulados nas ações em curso (55), o custo estimado para o sistema público de saúde, na atual conjuntura, seria de R$. 1.155.000.000,00 (um bilhão e cento e cinquenta e cinco milhões de reais), o que seria totalmente insustentável para o SUS”.
– A mesma situação de insustentabilidade também prospera na saúde suplementar. Isso precisa ficar claro porque quem paga a conta são os beneficiários pessoas físicas e as empresas, total ou parcialmente, o plano de saúde de seus empregados. Em face do mutualismo existente, a maioria dos contratos são coletivos empresariais ou por adesão, e que o índice anual de reajuste estabelecido pela ANS somente se aplica aos contratos individuais/familiares, que são minoria. A conta está chegando e ficando cada vez mais apertada.
Toro destaca que não está discutindo a sustentabilidade das operadoras, apesar de mais de 60% delas terem menos de 20 mil beneficiários, mas a falta de capacidade de pagamento dos beneficiários e empresas contratantes. Se os beneficiários não conseguirem pagar a sinistralidade apurada, essas empresas irão quebrar, sairão do mercado ou serão submetidas a regimes de direção fiscal ou liquidação extrajudicial pela ANS, bem como elas não conseguirão pagar a rede prestadora de serviços. Esse caos já está ocorrendo, em muitas situações.
A forma de enfrentar o problema e impedir que a situação se agrave é rever as Leis n. 14.307 e 14.454, principalmente para obrigar a indústria farmacêutica a disponibilizar para as operadoras de planos de saúde os mesmos valores, descontos e acordos de compartilhamento de risco que servirão para a análise do custo-efetividade estabelecido com o SUS. Outra solução que deve ser implantada ao mesmo tempo é a criação de fundos públicos para arcar com os medicamentos para doenças raras e super raras, pois esses medicamentos de altíssimo custo vem chegando ao Brasil, com valores que poderão inviabilizar a sustentabilidade dos planos privados de assistência à saúde, principalmente a capacidade de pagamento de seus beneficiários e empresas contratantes, pois serão esses que irão pagar a conta, no final do ciclo. E eles já não estão suportando o alto custo dos planos de saúde.